terça-feira, 1 de outubro de 2013

CEFALEIAS PRIMÁRIAS E O TRATAMENTO DA ENXAQUECA



CEFALEIAS PRIMÁRIAS

Cefaleia é uma sensação de opressão subjetiva manifestada como dor na extremidade cefálica, que acomete, ao longo da vida, 93% dos homens e 99% das mulheres, sendo que 40% das pessoas são acometidas com regularidade. 5 a 10% da população procura ajuda médica por conta de cefaleias. Em ambulatório é o terceiro motivo mais frequentes de consulta em ambulatório de clínica médica.

São classificadas como primárias, quando não são demonstráveis por exames clínicos e laboratoriais usuais; e secundárias, quando são provocadas por doenças e com ligação demonstrável aos exames clínicos e laboratoriais. Segundo a instalação da dor elas podem ser explosivas, quando acometem o indivíduo subitamente, em fração de segundos; agudas, quando a instalação se dá dentro de minutos ou horas; subagudas, quando esse período se dá dentro de semanas ou meses; crônicas, que evoluem dentro de anos, podendo ainda ser progressivas e não progressivas. As não progressivas ainda tem a classificação de recorrente, que pode ocorrer na forma de qualquer tipo da cefaleia primária (migratória, tipo tensional e outras trigêmeo-autonômicas, em salvas e outras); e persistente, que ocorre geralmente 4 horas por dia.

A etiologia da cefaleia primária a relaciona a disfunções temporárias ou permanentes de sistemas não vitais. Alguns autores relacionam a etiologia da cefaleia primária com a fibromialgia, admitindo que é comum para as duas patologias um distúrbio negativo na secreção e serotonina, e positivo na  produção de óxido nítrico. Um fato que comprova epidemiologicamente essa premissa é o estudo de Okifuji et al., ao afirmar a prevalência da fibromialgia em pacientes acometidos por cefaleia primária é de 40%.

As cefaleias primárias são classificadas em migratória (também chamada de migrânea ou enxaqueca), cefaleia tipo tensional (CTT), em salvas e outras cefaleias. Vamos tratar aqui da enxaqueca, definida como desordem idiopática de localização no córtex ou tronco cerebral, caracterizada por crises recorrentes de dor de cabeça de intensidade variável. Na maioria das vezes é unilateral no início, por vezes acompanhada de modificações do humor e distúrbios sensoriais e motores, além de foto e fonofobia. 70% dos pacientes acometidos pela enxaqueca tem um familiar direto com o mesmo problema.

É dividida em cinco fases: sintomas premonitórios, aura, fase álgica, resolução da fase álgica e fase de recuperação. Os sintomas premonitórios indicam ao paciente a iminência da crise. Nessa fase ocorre irritação, raciocínio lento e dificuldade de memorização, desânimo, avidez por doces e sono agitado, inclusive com pesadelos. Esses sintomas ocorrem fidedignamente em 60% dos pacientes.

A primeira informação a se prender sobre a fisiopatologia da enxaqueca, é que o cérebro de pacientes portadores é hiperexcitado. Por isso qualquer situação do dia-a-dia pode desencadear uma crise de dor, nesse caso dita migranosa. Algumas possíveis explicações, certamente não isoladas, são o deficiência do íon magnésio, alta produção de neurotransmissores excitatórios – glutamato e aspartato, além de alterações nos canais de cálcio voltagem dependentes. A esses canais foram relacionadas alterações no braço curto do cromossomo 19, de pacientes que cursam com hemiplegia na fase da aura. Mas é importante saber que esses casos são raros.

Os sintomas premonitórios, no geral, seriam causados também por distúrbios no sistema límbico-hipotalâmico. Já a aura teria origem no córtex, ocorrida a partir de uma hipoperfusão e consequente depressão de atividade cortical iniciada no polo occipital, difundida em ondas para o restante do cérebro. Essa depressão culmina no aumento da secreção de noradrenalina, distúrbio nos canais de cálcio, deficiência de magnésio e aumento dos aminoácidos excitatórios. Caso a depressão dure pouco tempo, os sinais neurológicos desaparecerão em até uma hora. Caso a hipoperfusão se sustente, haverá acidente vascular isquêmico, evoluindo com sequelas definitivas.

A dor já seria resultado de alterações no sistema trigêmeo-vascular (sistema inervador de vasos cerebrais e dura-máter, e cujos corpos celulares estão localizados no gânglio trigêmeo). As alterações citadas resultam em inflamação de meninges. Isso ocorre da seguinte maneira: há ativação do gânglio trigeminal após os sintomas premonitórios e aura. O gânglio enviará sinais para os locais próximo aos vasos que suprem as meninges, comandando a liberação de substância proteolítica e peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP). Isso provoca vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular com consequente extravasamento de plasma e de outras substâncias contidas nos vasos, tais como a bradicinina, peptídeos vasoativos e óxido nítrico, que induzirão à inflamação. As aferências trigeminais que chegam nesse local serão então excitadas pela inflamação e levarão estímulos para o tálamo e córtex, onde haverá a interpretação de todo o processo como dor através dos distúrbios citados anteriormente, a saber, queda da serotonina, depressão do sistema opióide e noradrenérgico.


QUADRO CLÍNICO DA ENXAQUECA

A fase de enxaqueca com aura ocorre em 20% dos pacientes, se desenvolvendo num período de 5 a 20 minutos, e duração de aproximadamente uma hora. Essa fase pode ser de cinco tipos:

·                    Típica, apresenta-se como escotomas e escotomas cintilantes, muitas vezes associados a disfasia e parestesia unilateral. Algumas vezes ocorre hemiparesia ou hemiplegia de face e membros;

·                   Tipo basilar, ocorre escotomas nos dois olhos, disartria, vertigem, zumbido, hipoacusia, diplopia, ataxia, parestesia e diminuição do nível de consciência. Esse tipo segue eventos ocorridos no tronco cerebral;

·                    Aura sem infarto, aura com duração maior que uma hora e menor que sete dias, sem indicações nos exames de imagem;

·                    Aura típica sem cefaleia, geralmente em pacientes com mais de 50 anos;

·                    Aura retiniana, os sintomas visuais anteriormente referidos como os cintilos, diplopia, escotomas, etc., ocorrem unilateralmente.

A fase álgica é quando ocorre a cefaleia propriamente dita, sendo de forte intensidade, pulsátil, que piora com a execução das atividades diárias. Melhora quando o indivíduo fica em ambientes escuros e silenciosos. Em dois terços dos casos é unilateral, dura entre 4 e 72 horas e muda de um lado para outro na recorrência das crises, porém predominando na região frontotemporal e orbitária. Outros sintomas se associam, como náuseas e vômitos, além da fono e fotofobia.



SEMIOLOGIA

É necessário ter sempre em mente os sintomas clássicos: unilateralidade, dor pulsátil e associação com náuseas, vômito e foto/fonofobia. No entanto, como o corpo não é um livro, alguns quadros podem se apresentar de forma atípica, por exemplo, com a ausência da aura. A unilateralidade é frequente, tendendo à bilateralidade frontal com o evoluir da crise. A dor pulsátil realmente está na grande maioria dos casos, mas em alguns pode ser contínua ou se tornar assim no decorrer. Náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia podem estar ou não presentes.


TRATAMENTO

O tratamento tem os seguintes princípios segundo a Sociedade Brasileira de cefaleia:

·                    Cogitar o tratamento profilático;

·                    Avaliar o impacto do problema na vida na pessoa;

·                    Identificar morbidades associadas;

·                    Identificar fatores desencadeantes e agravantes;

·                    Avaliar o tipo de tratamento a ser seguido;

·                    Envolver o paciente no tratamento, incluindo a construção do diário de cefaleia;

·              Estabelecer critérios de tratamento e adaptação do mesmo a partir da resposta do paciente;

·                    Estabelecer expectativas realistas de tratamento.


TRATAMENTO NÃO-MEDICAMENTOSO

·                    Como a fisiopatologia, independente da origem da cefaleia, cita a vasodilatação, colocar gelo sobre a área dolorida pode aliviar os sintomas de alguns;

·                    Colocar os pés dentro de um balde com água morna aumenta a vasodilatação periférica e consequentemente diminui o fluxo sanguíneo cerebral o suficiente para diminuir os sintomas;

·                    Infusão concentrada de café, pois a cafeína inibe a degradação do AMP-c, que age no sistema de segundo mensageiros e induz a vasoconstricção intracraniana;

·                    Compressão da artéria temporal do lado doloroso;

·                    Provocar vômitos também melhora a crise devido a estimulação de serotonina pelas células cromafins – células secretoras de catecolaminas – do intestino.


MIGRÂNEA SEM AURA NA CRISE LEVE

A primeira conduta é separar o paciente de ambientes claros e não silenciosos. Pode-se utilizar bolsa de gelo e analgésicos comuns tais como dipirona ou paracetamol, ambos na dose de 1.000 mg, associados a outro anti-inflamatório não-esteroidal (AINE), como o diclofenaco sódico 50 a 100 mg. Se houver vômito pode-se utilizar a metoclopramida, que pode ser encontrada em frasco-ampola com 2 ml de 5 mg/ml, ou solução oral de 4 mg/ml. O paciente pode utilizar os medicamentos para dor para cessar a evolução dos sintomas, utilizando os antieméticos citados com 30 minutos de antecedência. Se o paciente já cursou com crise extra piramidal a metoclopramida não pode ser utilizada. Então usa-se a domperidona, disponível na forma de suspensão (1 mg/ml), podendo ser utilizada na dose de 10 mg e respeitando a dose máxima de 80 mg por dia.


NA MIGRÂNEA SEM AURA DE CRISE MODERADA

O mesilato de ergotamina pode ser utilizado nos primeiros momentos de dor. Geralmente vem associado a outros analgésicos. O cefalium, por exemplo, associa a ergotamina com o paracetamol na dose de 450 mg, a cafeína na dose de 75 mg e metoclopramida no dose de 10 mg. A posologia é de 1 a 2 comprimidos no início da enxaqueca, podendo fazer uso de outros comprimidos com intervalos de 30 minutos, no máximo oito por dia. O cefaliv tem, além da ergotamina, a dipirona (350mg) e cafeína (100 mg).  Se a crise de dor moderada já está intensa a ergotamina não será eficiente. Nesses casos podem ser utilizados os triptanos, que agem sobre os receptores serotoninérgicos aliviando a dor rapidamente. Um exemplo é o naratriptano, que pode ser utilizado como comprimidos de 2,5 mg, ou o rizatriptano na dose de 10 mg.

Nessa crise também se pode utilizar a dipirona IV 1.000 mg, ou seja, um frasco-ampola diluído em soro fisiológico ou glicosado, mantendo o paciente deitado.


MIGRÂNEA SEM AURA NA CRISE FORTE

Aqui também é utilizado os triptanos, clorpromazina ou indometacina. A clorpromazina está nas unidades públicas de saúde sob o nome de amplictil em ampolas de 5 ml com 25 mg do medicamento. Sua ação se concentra em bloquear os receptores dopaminérgicos na área mesofrontal e sistema límbido, sendo indicada primordialmente no tratamento antipsicótico, embora que para esse fim seja de baixa potência. Como também é bloqueador de receptores adrenérgicos e histaminérgicos induzem o paciente a cursar com hipotensão ortostática e sedação. É recomendado a associação com dexametasona para inibir a reação inflamatória, ou até mesmo um AINE.


MIGRÂNEA COM AURA

Aqui podem ser utilizados qualquer medicamento do tratamento da migrânea sem aura, com exceção dos triptanos e ergotamina. Ou seja, dipirona, paracetamol, diclofenaco, metoclopramida, inclusive ácido acetil salicílico 1.000 mg, lembrando do seu efeito antiagregante plaquetário.

 Se o paciente tem três crises ou mais no mês, é necessário o tratamento profilático, que é realizado com antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina ou nortriptilina 10 a 75 mg, uma vez ao dia. Pode também ser utilizado a fluoxetina 20 a 40 mg ao dia; com betabloqueadores, como o propranolol 40 a 120 mg VO ou metoprolol 100 a 200 mg; bloqueadores dos canais de cálcio, como a flunarizina 5 a 10 mg à noite; e por fim antiepiléticos como o valproato de sódio, (500 a 1.500 mg ao dia).




REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

STUGINSKI-BARBOSA, juliana; DACH, Fabíola; ESPECIALI, José Geraldo. Relação entre cefaleia primária e fibromialgia: revisão de literatura. Revista Brasileira de Reumatologia. v. 47. n. 2. p. 114-120. Mar/abr, 2007.

MONTEIRO, José M. Pereira. Cefaleias primárias: causas e consequências. Revista Portuguesa de Clinica Médica. v. 22. P. 455-459, 2006.

MALVEIRA, Carlo Luiz. Migrânea ou enxaqueca. Trabalho de conclusão de curso. Universidade Federal de Minas Gerais. Uberaba, 2011. Disponível em: http://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2561.pdf. Acessado em 12 de setembro de 2013.


Vicent, Maurice. Fisiologia da enxaqueca (ou migrânea). Medicina. Simpósio: cefaleia. Cap. II. v.30. p. 428-436. Ribeirão Preto. Out-dez, 1997. (DESTAQUE).

4 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pelo informativo...assim vc ajuda a mim e a milhares de pessoas!!!

Milena Lima disse...

Ficou muito interessante, bem claro! Um tema que é bastante comum . Faltou falar da alimentação, que nesse caso, é importante para ajudar a aliviar os sintomas ( puxar a sardinha pra meu lado rsrs)!Parabéns!

Unknown disse...

Bem puxado Milena Lima. Mas aí só sei o básico. Aí que a senhorita entra. Beijos.

Unknown disse...

Obrigado Bianca Lima.